TEXTO PARA AS QUESTÕES DE 37 A 39
O OPERÁRIO NO MAR
Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a dor do operário está na sua blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos desconfortos enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com algumas árvores, o grande anúncio de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles levam e trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando. Caminha no campo e apenas repara que ali corre água, que mais adiante faz calor. Para onde vai o operário? Teria vergonha de chama-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza… Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos. Tenho vergonha e vontade de encará-lo: uma fascinação quase me obriga a pular a janela, a cair em frente dele, sustar-lhe a marcha, pelo menos implorar-lhe que suste a marcha. Agora está caminhando no mar. Eu pensava que isso fosse privilégio de alguns santos e de navios. Mas não há nenhuma santidade no operário, e não vejo rodas nem hélices no seu corpo, aparentemente banal. Sinto que o mar se acovardou e deixou-o passar. Onde estão nossos exércitos que não impediram o milagre? Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos. Vejo- o que se volta e me dirige um sorriso úmido. A palidez e confusão do seu rosto são a própria tarde que se decompõe. Daqui a um minuto será noite e estaremos irremediavelmente separados pelas circunstâncias atmosféricas, eu em terra firme, ele no meio do mar. Único e precário agente de ligação entre nós, seu sorriso cada vez mais frio atravessa as grandes massas líquidas, choca-se contra as formações salinas, as fortalezas da costa, as medusas, atravessa tudo e vem beijar-me o rosto, trazer-me uma esperança de compreensão. Sim, quem sabe se um dia o compreenderei?
Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.
39 Embora o texto de Drummond e o romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, assemelhem-se na sua especial atenção às classes populares, um trecho do texto que NÃO poderia, sem perda de coerência formal e ideológica, ser enunciado pelo narrador do livro de Jorge Amado é, sobretudo, o que está em:
a) “Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa.”
b) “Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros (…).”
c) “Não ouve, na Câmara dos Deputados, o líder oposicionista vociferando.”
d) “Teria vergonha de chama-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca.”
e) “Mas agora vejo que o operário está cansado e que se molhou, não muito, mas se molhou, e peixes escorrem de suas mãos.”
Resposta D
O máximo de distanciamento entre o eu-lírico de Drummond e o operário ou camadas populares fica claro no trecho:
“Teria vergonha de chama-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza… Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos.”
Esse distanciamento é praticamente inexistente na obra de Jorge Amado, sobretudo em Capitães de Areia. Jorge Amado mostra personagens bem humanos e alcançáveis. No final do livro, o protagonista Pedro Bala adquire consciência política e passa a ter proximidade com as classes mais altas. Um exemplo é o diálogo entre o estudante universitário Alberto e Pedro Bala.
Veja como esse assunto foi cobrado na prova da FUVEST de 2014!
Drummond questão 86 2014
Drummond questão 87 2014
Drummond questão 88 2014
Drummond questão 89 2014
Drummond questão 90 2014